Como evitar o consumismo infantil causado pelo YouTube

Quem cresceu entre os anos 80 e 90 deve se lembrar de mil propagandas na TV que despertavam nosso desejo. Hoje, o incentivo ao consumismo infantil dá as caras em outra plataforma: o YouTube, que cativa cada vez mais crianças e adolescentes.

São vídeos de Unboxing (vídeos com compras e presentes sendo desembalados), “comprinhas” no exterior, “recebidinhos” e muitos outros que acabam mexendo com o imaginário. “Nesses canais, os youtubers, que muitas vezes também são crianças, ganham algo novo, algo inusitado e isso mexe com cabecinha dos que estão assistindo, principalmente por se tratar de crianças, que ainda não entendem que aquilo é algo ganhado e não comprado”, diz Lia Clerot, psicóloga especialista em Terapia Familiar Sistêmica.

Alguns youtubers fazem vídeos de quase (ou mais de) uma hora apenas com esse conteúdo – um deles conseguiu angariar mais de 4 milhões de visualizações.

“Não à toa essas ‘personalidades’ do YouTube são chamadas de influenciadores. Muitas das coisas que meu filho quer é porque algum youtuber que ele curte tem. Então ele também quer ter”, relata Joy Moretti, assessora de imprensa e mãe do Lucas, de 10 anos.

Esse hábito independe de idade. Carol Sandler, fundadora do Finanças Femininas e coach financeira, é mãe da Bia, de 4 anos – que ama YouTube. “Ela inevitavelmente descobre novos brinquedos e, se eu a deixo sem supervisão, ela já me pede para comprar algo depois de cinco minutos assistindo”, conta.

Isso acontece mesmo que a Bia assista apenas o YouTube Kids, plataforma com conteúdo filtrado para os pequenos. “Apesar dos vídeos bacanas, tem muito unboxing, crianças brincando e fazendo historinhas com seus brinquedos. Os desejos dela estão mais relacionados a isso do que ao que ela vê as amigas usando na escola.”

Consumismo infantil: de lá pra cá

Nas décadas citadas no início dessa matéria, esse tipo de merchandising apenas dava as caras nos comerciais e em propagandas dentro dos programas. “Hoje, as crianças e jovens podem clicar e ver quantas vezes quiser. Depois de um tempo, não precisa nem clicar, pois o algoritmo do site começa a indicar vídeos e reproduzi-los automaticamente. Aquilo, aos poucos, chega direto na casa deles”, conta Ana Olmos, psicanalista e psicoterapeuta especializada em Neuropsicologia Infantil e conselheira do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.

De acordo com Olmos, a gravidade aqui é maior porque o youtuber cria um vínculo com quem o assiste aos poucos por conta da frequência de postagem de vídeos. Quando o merchandising é apresentado, é de forma testemunhal. Como, muitas vezes, o apresentador é uma criança ou adolescente, a identificação acontece de um jeito muito mais fácil.

Quanto custa o outfit?

O que parece uma brincadeira pode trazer consequências sérias. Recentemente, viralizou um vídeo chamado “Quanto Custa o Outfit”, no qual um garoto de 12 anos relata que seu visual completo custou exatos R$ 39.090.

Esse mesmo garoto mantém uma conta no Instagram para mostrar seu estilo de vida.

Sim, esse é um caso extremo. Porém, ele nos faz pensar: como uma criança chegou a este ponto de se importar tanto com o que consome? Por que valoriza tanto a cultura de ostentação? Qual é o papel desse tipo de conteúdo?

“O que muda com o YouTube é que as pessoas com acesso aos produtos de consumo de alto luxo agora têm meios de disseminar esse modo de vida, que ainda estava restrito às revistas de moda, programas de TV e eventos super segmentados e exclusivos. Consumir para ostentar, fazer parte de grupos e causar inveja em quem não faz não é novidade nenhuma, infelizmente”, comenta Mariana Sá, cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo, publicitária, mestra em Políticas Públicas e mãe da Alice e do Arthur.

Além do consumismo infantil: depressão e autoestima

“Vários pacientes me mostraram esse vídeo (Quanto Custa o Outfit) e, em vez de criticarem, eles se alimentam disso. Atendo crianças com depressão, autoestima baixa, que se sentem discriminadas porque não têm essas coisas ou o corpo de outro influenciador”, revela Olmos.